São vários os destinos que se podem escolher, múltiplas as opções, mas quando uma cultura se infiltra por debaixo da pele, ao partir, o mais certo é procurarmos regressar. Mergulhámos no arquipélago caboverdiano há 12 anos, no processo descobrimos novas vivências, outras referências e olhares, uma realidade que não conhecíamos, hoje Cabo Verde, faz parte intrínseca de nós.
“Si ka badu ka ta biradu” - Quem não parte, não pode voltar
A frase do poema Hora di Bai de Eugénio Tavares, um dos maiores poetas caboverdiano, cantada na Morna de despedida, traduz um sentimento de profunda tristeza (o desejo de voltar, que alguém forçado a emigrar, leva no coração). Associado numa primeira fase, a emigrações que foram impostas e mais tarde, à emigração clandestina, à procura de uma vida melhor e do sustento da família deixada para trás, este sentimento, ainda hoje, com outros contornos, continua a marcar de forma vívida, a vida dos que partem livremente, as relações, e as estórias em Cabo Verde.
A realidade demográfica destas dez ilhas, das quais nove são habitadas, com uma população residente de aproximadamente 590 mil habitantes e uma diáspora de cerca de 580 mil caboverdianos ou descendentes, são um significativo testemunho da constante procura por uma vida melhor que sempre caracterizou o dia-a-dia do povo das ilhas. Sem compreender os constrangimentos climáticos, a realidade geográfica e orográfica das ilhas, as nuances sócio-económicas, a labuta das suas gentes, a história de Cabo Verde e a sua longa luta pela subsistência e pela independência, quase tudo nos escapa.
No nosso caso enquanto portugueses, o exercício passou pelo uso de uma dose de exegese, que nos permitiu não cair em estereótipos advindos de recorrentes referenciais culturais paternalistas, sobretudo no que diz respeito aos espaços geográficos ex-colónias portuguesas. Esse exercício, nem sempre fácil, foi para nós a pedra de toque sem a qual nada teríamos conseguido, ou melhor, tudo aquilo que nos interessava se poderia ter perdido. Felizmente assim não foi. Primeiro foi o clima e os cheiros, depois a paisagem, finalmente as conexões sociais, os olhares, o falar e os modos, o jeito de estar, pois são muitas as diferenças que se apreendem quando percorremos os caminhos insulares, a personalidade própria de cada um dos lugares, o saber-fazer, a musicalidade, os sorrisos, a disponibilidade para conectar, todo um rico mosaico culturalmente diverso, que compõe a realidade das ilhas, se foi prendendo à pele e convidando a ficar.
Revistos os pressupostos iniciais, abandonadas as idiossincrasias, foi deixar que a realidade nos permeasse, deixar que os espaços e as suas gentes se fizessem ouvir e nos ensinassem a escutar, para entender, sentir e ter olhos para compreender. Mergulhar na vida dos outros é isso, deixar de fora preconceitos, dar espaço a que o próximo nos toque e deixar a empatia, tão necessária para que nos possamos sentir unidos enquanto seres humanos, fazer o seu percurso.
Assim se passaram 12 anos, assim nasceu este projecto de divulgação de criadores e de obras de Cabo Verde, que baptizámos de Voador, para podermos voar juntos.
“-Ai o mar
que nos dilata sonhos e nos sufoca desejos! Ai a cinta do mar
que detém ímpetos
ao nosso arrebatamento” ...
(Jorge Barbosa. “O Mar”, Arquipélago 2017: 34-36)
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